SEM QUERER

- A gente não faz só o que quer.

Essa frase vem comigo desde a infância. Sem idéia de quando. Mas eu era bem pequena e o tom de voz da mãe me marcou. Foi usado com ênfase pra magoar, pra soar feito um castigo apocalíptico.

Hoje eu entendo que era na verdade um aviso com simples gostinho de vingança. Ela devia estar com puta inveja da minha infância. Mas irremediavelmente – azar o meu – um dia, eu iria crescer. E percorrer muitos anos, sofrer tudo o que ela sofreu. Dali que penso que brotava o tenro prazer em frisar a sentença com tanta goma.

Pois, caro Freud, culpe a mãe! Cresci com a neura de não querer crescer. Porque crescer, sem escapatória, virou um conflito de assumir coisas que você pode vir a gostar, mas que provavelmente não vai, e igual vai ter que fazer. Arrastando os pés, num corpo mole dos diabos, mas vai ter que fazer.

Falar sobre responsabilidade, compromisso e desgosto tende à idéia de atividade chata e mecânica como lavar a louça ou tirar o lixo. Não discuto o mérito das tarefas domésticas. Isso eu acho o de menos, acho até divertido, feito uma gincana. São provas que pontuam o dia a dia, fazem o cotidiano acontecer, colocam um padrão de comportamento na espécie.

A minha ira pelo crescer está na obrigação da tomada de decisões. Não é o decidir em si que me repulsa. É a corda bamba das conseqüências. É a pressão do efeito borboleta. A pressão do essa-escolha-muda-tudo. A falta de ctrl+z. O ter que dar certo, da melhor maneira, o tempo todo. O errar não é o problema, mas o atraso que o erro causa. Porque não vai ser dos outros, vai ser só seu. Você sozinho vai ter que gastar gasolina à procura da placa de retorno e ainda corre o risco de perder a saída, fazer tudo outra vez. Over and over.

Queria poder pular da infância para a terceira idade. Lá, feito nos anos em que a gente é o café-com-leite da brincadeira, ninguém espera muito dos seus atos. Nem você espera muito do resto. Tanto na infância quanto na velhice, a palavra de ordem é aproveitar, desfrutar. A gente come sem pensar nas calorias, veste a roupa conforme a praticidade, dança porque a música agrada.

Tudo é só naquela hora e as conseqüências ficam em segundo plano. No primeiro caso, porque teoricamente há todo o tempo do mundo pela frente. No segundo, porque o tempo está justamente se esgotando. São momentos em que a obrigatoriedade da vida é menos obrigatória. E não há culpa por só fazer o que se quer.

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